*Verus philosophus est amator Dei - Santo Agostinho

domingo, 2 de janeiro de 2011

Repórteres e assessores de imprensa,por Leonardo Mancini e Octacilio Freire

Reproduzido da Revista da ESPM, volume 17, nº 5, setembro/outubro de 2010; intertítulos do OI

Desde que os primeiros jornalistas deixaram as redações para trabalhar em empresas e outras organizações, discute-se a questão do status profissional do assessor de imprensa. Em artigo de 2009 [no livro A imprensa e o dever da liberdade (São Paulo, Contexto)], o jornalista Eugenio Bucci foi taxativo: "Jornalismo e assessoria de imprensa são duas profissões diferentes e não podem ser regidas pelo mesmo código de ética".

O argumento central é elaborado em torno do código de ética do jornalismo [a versão do código de ética defendida pela Federação Nacional de Jornalismo pode ser encontrada em seu site], que diz que a prática jornalística deve se pautar, acima de tudo, pelo interesse público. Por essa lógica, o profissional que se dedica aos interesses de uma empresa ou organização específica, como é o caso dos assessores, não poderia ser chamado de jornalista.

Antes de condenar os assessores de imprensa ao limbo das definições profissionais, é preciso discutir alguns conceitos.

Primeiro, há dificuldade em definir, de forma unânime e universal, o que é jornalismo. Em todo o mundo, a definição de jornalismo é dada em digressões poéticas ou em expressões de uma mitologia ética.

Segundo o professor Marc Deuze ["What is journalism? Professional identity and ideology of journalists reconsidered", London, Thousand Oaks, 2005], antes de ser profissão, jornalismo é uma ideologia difusa, que carrega inconsistências e contradições. Em geral, os valores defendidos pelos jornalistas são:

** Interesse público: os jornalistas proveem um serviço público ao defender e se orientar pelos interesses de toda a sociedade. São como cães de guarda (ou watchdogs, do original) do público;

** Objetividade: os jornalistas são imparciais, neutros, objetivos, justos e, por isso, críveis;

** Autonomia: os jornalistas devem, necessariamente, ser autônomos, livres e independentes em seu trabalho;

** Imediatismo: os jornalistas devem ter o senso de atualidade e velocidade, que é inerente ao próprio conceito de notícia;

** Ética: os jornalistas são éticos e legítimos.

Tempo real

As contradições residem, sobretudo, na evolução das práticas profissionais, da própria sociedade e das expectativas comerciais da indústria jornalística.

O conceito de interesse público, por exemplo, conforme defendido pelos jornalistas,é incompatível com a sociedade contemporânea. O princípio clássico, de dizer o que a sociedade precisa ouvir, pressupõe que jornalista esteja acima da sociedade que o cerca, seja intelectualmente, seja em termos de acesso ao conhecimento.

Em tempos de audiência fragmentada e acesso irrestrito à informação, o que tem acontecido é mais uma amplificação das conversas da sociedade do que o inverso. O papel do espectador tradicional já não existe. Atualmente, a sociedade define a agenda pública por si mesma, com pouca, ou nenhuma, interferência dos meios de comunicação de massa, como os jornais.

Outro ponto que tem de ser lembrado é que o jornal é um produto. Como tal, tem um público-alvo definido, de quem deve atender todas as expectativas. E isso inclui, decisivamente, a definição da pauta. Um jornal econômico que trate exclusivamente de cultura, ou um jornal local que discuta temas globais, será rejeitado por seus consumidores.

Nesse sentido, os jornais devem trabalhar a favor não do interesse público, mas do interesse de seu público.

Uma segunda contradição é a pretensa objetividade jornalística. Apesar de este ser um dos valores com que os jornalistas mais se identificam, é consenso que a neutralidade absoluta é uma ficção.

Basta lembrar que a Folha de S. Paulo afirma, em seu primeiro editorial, que é "quase sempre impossível atingir a neutralidade absoluta. Ao contrário, isso é raramente factível. Existem, na realidade, descrições mais neutras, ou seja, mais objetivas que outras; de onde se deduz que a neutralidade é uma quimera, mas aproximar-se de neutralidade não é" [Projeto Editorial de 1981, disponível aqui, em agosto de 2010].

O professor Mark Deuze lembra que o discurso da objetividade, que às vezes assume quase sinônimos como "distância profissional" e "imparcialidade", evoluiu da obrigatoriedade para a eterna busca. Se por um lado a declaração de princípios se torna mais justa, por outro torna os profissionais imunes a críticas.

...Continua

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