*Verus philosophus est amator Dei - Santo Agostinho

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Rescaldo das urnas(retirado do Observatório da Imprensa)

Quem perdeu as eleições

Por Carlos Brickmann em 5/10/2010

Não, quem perdeu não foram os candidatos derrotados: em eleições, às vezes se ganha, às vezes não, a vida política de cada um continua existindo. Também não foram os veículos de comunicação, apesar das múltiplas falhas de cobertura e de comportamento: alguns têm tradição, não é um problema ou outro que, isoladamente, irá derrubá-los; outros, jovens, têm tempo para recuperar-se (ou para cair, sendo substituídos rapidamente, já que a internet praticamente não exige capital para montar um blog). Quem perdeu as eleições, mais do que todos, foram os consumidores de informação: estes ficaram sem nenhuma certeza, nem a de que seu veículo preferido estivesse divulgando notícias corretas.

Estas eleições, na opinião deste colunista, retratam bem as dúvidas dos meios de comunicação sobre o trabalho que devem desempenhar. A TV e o rádio foram praticamente varridos da cobertura, por leis fantasticamente restritivas; a imprensa clássica muitas vezes se confundiu na conceituação de notícia, análise e opinião; alguns jornalistas, que sempre se acomodaram confortavelmente na imprensa tradicional e perderam agora seus lugares, também se confundiram na definição do que seria uma outra visão dos fatos e optaram pela tentativa de desmoralização de jornais e emissoras.

Nessa tentativa acabaram fazendo com que alguns veículos se sentissem acuados e procurassem defender-se preventivamente. Perdeu-se até mesmo a noção de que erros acontecem: cada erro passou a ser interpretado de maneira conspiratória, como se criado fosse numa sala mal-iluminada, onde concorrentes históricos tramariam em conjunto a maneira mais nociva de dar uma notícia (e, o que é mais engraçado, os proprietários dos meios de comunicação, os "barões da mídia", seriam comandados por um funcionário de outra empresa – um alto funcionário, bem preparado, eficiente, conceituado, mas não um acionista ou herdeiro).

Na cobertura das eleições, faltou aquela pergunta clássica dos jornais americanos: "Where is the beef?" Cadê a carne, cadê a sustança, cadê a notícia propriamente dita? Um bom caso: divergências entre institutos de pesquisas são aceitáveis dentro de determinados limites, mas não há explicação possível para diferenças tão flagrantes, que indiquem tendências tão opostas quanto as que ocorreram nesta campanha. Não é questão de lançar suspeitas sobre ninguém, mas de fazer a boa e velha reportagem que identifique onde está o erro. E, se não houver erro, mas uma decisão deliberada de modificar os resultados de maneira a beneficiar alguém, mais ainda se torna necessária a reportagem, porque aí se trata de crime. Nas diversas campanhas dos diversos estados, muita gente se envolveu com contratação de pesquisas. Ninguém estará disposto a contar o que viu e ouviu?

Eleição é complicado. Mexe com a ideologia de cada um dos jornalistas, mexe com a ideologia de cada um dos meios de comunicação, mexe com simpatias pessoais. Por isso mesmo a busca dos fatos é mais árdua. Mas esta é nossa profissão. Há muitos e muitos anos, o Jornal do Brasil, que era sem dúvida o melhor jornal do país, aderiu à campanha de um candidato ao governo do Rio, o professor Flexa Ribeiro. Nem por isso a cobertura, magnífica, apresentou desvio contra o outro candidato forte, Negrão de Lima (que venceu as eleições). Pode-se ter a posição que se queira, desde que não se perca a postura jornalística.

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