*Verus philosophus est amator Dei - Santo Agostinho

sexta-feira, 5 de março de 2010

Noam Chomsky(parte III)

IHU On-Line – Mudando um pouco de assunto, como o senhor analisa o assassinato dos mártires de El Salvador em 1989 e o silêncio que se fez sobre esse episódio?

Noam Chomsky - Foi espantoso, isso. Em novembro passado foi o vigésimo aniversário de dois eventos importantes acontecidos em novembro de 1989: um foi a queda do muro de Berlim, outro foi o assassinato dos jesuítas. Novas informações apareceram em outubro de 2009, mas foram totalmente ignoradas. O jornal espanhol El Mundo publicou o documento que pedia o assassinato, assinado pelo Chefe do Estado Maior, Rene Emilio Ponce, e por outros altos oficiais. Isto já tinha sido suspeitado, mas agora havia o documento em si, com comentários escritos à mão e as assinaturas. Isto faz com que seja quase impossível que a embaixada americana e o Pentágono nada soubessem a respeito. Além disso, o assassinato foi executado por uma brigada de elite, a brigada Atlacatl, que já tinha matado milhares de pessoas. Eles acabavam de chegar do treinamento na Escola de Forças Especiais J. F. Kennedy em Fort Bragg poucos meses antes, e poucos dias antes do assassinato houve delegação de forças e oficiais especiais que foram a El Salvador para treinamento adicional. Portanto, tinham acabado de receber treinamento por forças especiais americanas. Isto, portanto, torna ainda menos provável que o fato fosse desconhecido. Ou seja, foi algo solenemente ignorado. Mas isto não é nada. O assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Oscar Romero, praticamente pelas mesmas mãos. Nesse período, foram mortas cerca de 70 mil pessoas, geralmente pelas forças de segurança apoiadas pelos EUA.

"O assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Romero, praticamente pelas mesmas mãos"

Além disso, o assassinato dos jesuítas foi um golpe letal ou ao menos muito sério no que ainda restava da teologia da libertação. Isto é de considerável importância. A teologia da libertação deslanchou após o Vaticano II, sob o comando do papa João XXIII, em 1962. Este foi um momento crucial na história. Foi a primeira vez que a Igreja tentou voltar aos evangelhos, para a Igreja pré-constantina. Nos primeiros séculos, o cristianismo era basicamente uma religião de um pastor radical, perseguida. Mas o imperador Constantino, no século IV, assumiu o cristianismo e o transformou na Igreja do Império Romano. Hans Küng, um teólogo bem conhecido, formulou da seguinte maneira: de uma Igreja de perseguidos, a Igreja passou a ser uma Igreja de perseguidores. E em grande parte tem sido isso mesmo, até chegar ao papa João XXIII e o Concílio Vaticano II, que inspirou bispos latino-americanos a empreender a opção preferencial pelos pobres, como nos evangelhos; e o resto da história vocês conhecem: padres, freiras, leigos tentaram organizar camponeses, criaram grupos de leitura bíblica, tomar algumas iniciativas, para que as pessoas tivessem seus destinos nas próprias mãos.

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