A crise dos jornais continua aberta à discussão em boa parte do planeta. Dentro e fora dos jornais. Na semana que passou, na revista “Veja”, Gay Talese, um dos mais festejados jornalistas dos Estados Unidos, deu o seu ponto de vista, mostrando a outra face da mesma crise. Pregou a absolvição do jornalismo e, paradoxalmente, condenou determinadas práticas do ofício.
Disse, por exemplo, que a imprensa americana caiu na lorota de que havia armas de destruição em massa no Iraque. Que Washington está cheia de jornalistas que cultuam o poder e convivem à mesma mesa, sempre prontos a acreditar no governo. Que o governo usa a imprensa mais do que a imprensa usa o governo. Que os novos jornalistas não cultivam o ceticismo, e que poucos conseguem sintonizar a vida real.
O cenário descrito por Talese sobre a mídia americana é pouco confortador. O mais perturbador é que ele menciona os Estados Unidos e Washington, mas concordamos que se refere mesmo ao Brasil e a Brasília. Uma similitude impressionante. Diz que o “politicamente correto” é um veneno para o jornalismo, e que os escorregões da imprensa se repetem em perigosa rotina. Que há – e há – o esvaziamento da imprensa, preocupada com o tom oficial das informações, ao invés de privilegiar a investigação, o texto bem feito, enfim, o respeito à inteligência do leitor.
Os jornais estão gordos de informação e magros em conhecimento. Informação se consegue no Google, especialmente a mesmice de tudo e a repetição do lugar-comum. É natural que jornais estejam em crise, pois o que oferecem é pouco, quase nada em comparação à multiplicação dos meios de informação. Descem as tiragens, fecham-se jornais tradicionais, com décadas de presença no mercado, mas, ainda assim, quase nada muda nos jornais. Textos mais longos, bem escritos e conectados à vida real são peças raras nos jornais de hoje. Daqui, do Brasil, e em boa parte do planeta.
As tiragens estão caindo e os velhos leitores morrendo, sem que novos leitores tenham sido formados. A escola, que deveria ser fonte de estímulo, padece do mesmo mal. Raras são as que promovem a inteligência, despertam a curiosidade, estimulam a leitura. Vivemos a civilização do visual, do virtual e, também, do efêmero e do descartável. Somos a “sociedade líquida”, alvo de inúmeros livros do sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Outro aspecto importante a explicar a queda de tiragens dos jornais, nos Estados Unidos e nas sociedades mais ricas, decorre da migração de leitores para a internet. As novas gerações, educadas sob o domínio da tela plana de computador e da televisão, são limitadas na realização de atividades que exigem atenção, como a leitura. Com menor capacidade de concentração, ler um livro é tarefa quase impossível para milhões de jovens no mundo todo. A sociedade visual está produzindo a primeira geração de cérebros inferiores, incapazes de realizar as sinapses que só a leitura proporciona ao ser humano. Vivemos hoje uma das mais radicais mutações biológicas do ser humano nos últimos 10 mil anos. Cérebros “educados” apenas pela imagem tornam-se incapazes de concentração e de atenção. O que explica, também, a pobreza do vocabulário dos mais jovens, na internet e na fala do cotidiano.
É neste cenário que se desenrola a crise dos jornais. Ela será longa, até que renasça novo tipo de jornalismo. Por enquanto, governo e imprensa aqui, lá e acolá, vivem em concubinato, com aqueles mandando nestes, em prejuízo dos leitores. Jornalismo se faz com conhecimento, pesquisa e tempo, ingredientes sempre mais escassos nas redações. Não tem sentido competir com a internet, com a televisão e com o celular. Jornais terão sentido – e leitores – quando oferecerem conteúdo melhor, mais consistente e, por consequência, mais interessante. Repetir na manhã seguinte as mesmas informações (notícias) da noite anterior é rezar pelo descarte, pela renúncia do leitor. Como, aliás, acontece de forma dramática nas melhores sociedades. O que dizer de países como o Brasil, com índices de cultura pouco acima da mediocridade absoluta?
Apolinário Ternes é historiador e jornalista.
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