*Verus philosophus est amator Dei - Santo Agostinho

terça-feira, 9 de março de 2010

Blasfêmia,por Carlos Adauto Vieira*

Tia Dete, nascida e casada Maria Odete Moritz Hilbrecht, era assim chamada por mim, seu genro político, pois criara a Marcia, minha esposa. Era avó, esposa, mãe, tia, cunhada, comadre, madrinha, patroa, amiga, vizinha, para todos e, por isso, se tornou inesquecível, deixando uma saudade imensa.

Na família se dizia que, quem conseguisse brigar com ela, ganharia um Mercedes conversível, prata, com estofamento vermelho, com tanque cheio de gasolina azul alemã.

Morreu do que tinha de mais enorme: coração! Mas viveu bem, sempre em paz com a vida e a humanidade.

Nem por isto, ou talvez por isto, deixou um anedotário fantástico, que inclui os seus casamentos – foram dois com o mesmo noivo. Questão de religião!

Conto em outra oportunidade.

E de religião, um outro episódio de que, parece, só ela seria capaz de patrocinar.

Indo à missa, tomou a sua costumeira comunhão.

De volta ao banco, sentiu que a santa hóstia havia grudado no céu da boca. Que melhor lugar, não?

Tentou, inutilmente, durante algum tempo, desgrudá-la, delicadamente, com a língua. Escusou-se de a tocar com um dos dedos. Escrúpulos. Com a língua, sim. Sem êxito!

Nervosa, irritada, exclamou de si para consigo: “Será que esta porcaria não vai desgrudar?”

Assustou-se. Olhou para o confessionário e viu que o padre Afonso, seu confessor, ainda estava nele. Correu a confessar-se. Buscar absolvição ao seu pecado, à sua blasfêmia.

– Mas, Dete, isto não é nenhuma blasfêmia. Não houve da tua parte nenhuma intenção de ofender ao Senhor. Vai, vai tranquila, agradecer a santa eucaristia.

Como ela resistisse, para reforçar a sua ponderação, padre Afonso contou-lhe que havia precedente. E com quem? Dom Jaime Câmara, cardeal do Brasil.

Narrou:

– Este, no Congresso Eucarístico em Florianópolis, ao aproximar-se uma senhora com uma criança ao colo para receber dele a sagrada hóstia, viu que a criancinha estendia a mão gorduchinha para pegá-la e, instintivamente, escondendo-a, advertiu:

– Não, não, neném! Cacaca...

*CARLOS ADAUTO VIEIRA | Jornalista,escritor e vice-presidente da Academia de Letras e Artes de São Francisco do Sul

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