*Verus philosophus est amator Dei - Santo Agostinho

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O paradoxo do sal,por Milton Wendel

Apesar dos avanços da ciência, muitas pessoas ainda acreditam que Deus fez a Terra para o homem morar nela. É que assim está escrito num antigo livro da Bíblia e as pessoas se acostumaram com isso, principalmente as que acreditam em Deus. Verdade seja dita, a Terra é um planeta legal p'ra se viver e nós estamos muito bem adaptados aqui. Parece mesmo que a Terra foi feita p'ra gente. As estações do ano, a comida em abundância, o céu azul. A Terra é muito legal.

A chance de existir algum outro planeta totalmente igual à Terra é zero.

Mas será que ela foi mesmo feita para nós? Embora os religiosos criacionistas acreditem devotamente que sim, muitas evidências indicam que não. Se fosse feita especialmente para nós, seria melhor não ter que matar outros animais para comer, talvez não ficássemos doentes com picadas de mosquitos e não haveria o risco de morrermos afogados na parte do planeta que é coberta de água. Verdade é que a Terra tem mais mar do que área seca e embora seja o "nosso" planeta, não podemos ficar mais do que algumas horas na água. O que será que está errado? O planeta saiu com defeito? A evolução ainda não nos levou a romper esta barreira?

Os religiosos não aceitam que a chamada "obra divina" tenha defeitos porque o Deus antropomórfico criado pela mente humana seria uma entidade infalível. Por outro lado, admitir um estado qualquer num processo evolutivo significa admitir a evolução - coisa que os devotos do criacionismo abominam. Fica complicado.

Vamos dar uma volta pela simples realidade da física.

Se deixarmos um copo com 200 ml de água do mar alguns dias na varanda, a água evaporará e no fundo do copo restará umas seis gramas de sais. É que cada litro de água do mar tem umas trinta gramas de sais. Com essa concentração de sal a gente afunda nela. Não tão rápido como na água "doce" da piscina, mas afunda. Com o dobro de sais já é bem mais difícil mergulhar. Com o quíntuplo ninguém se afogaria. E com dez vezes mais, poderíamos ler jornal deitados na água ou esperar sentados a chegada de socorro no caso de um naufrágio.

Fazendo esta pequena pesquisa, não fomos dar uma volta no mundo da Lua. Não saímos da Terra, não perdemos o contado com a realidade - com a física. Existem casos de corpos aquáticos, mares e lagos, com diferentes salinidades aqui mesmo na Terra. No Estado de Utah, EUA, no lago Maracaibo, Perú, e no Mar Morto. São três situações diferentes e que geram diferentes biologias. E não nasceram como são. Os eventos que os fazem ser assim já foram estudados e interpretados.

O que entendemos como perfeito pode ser gerado pelo acaso, sim, e até por uma ilusão. Mas é a adaptação evolutiva que nos dá a ilusão da perfeição.

Deus teria "bobeado" no projeto ou abandonou-o após algumas tentativas? Impossível que Deus se engane ou que seja relapso, dizem os crentes. Então talvez não tenhamos levado tudo em conta. Quem sabe a alta salinidade faria mal aos peixes. Isto explicaria tudo! É verdade, mas eles, os peixes, também poderiam ter sido feitos com maior tolerância ao sal. Deus parece não ter sido muito engenhoso neste detalhe: as espécies eurialinas não são tão eurialinas assim, e também morrem se forem expostas àquele que seria o ideal para a dita criação suprema de Deus: o seu filho Homo sapiens. Quanto aos peixes de água doce nada mudaria. O nível do mar seria um pouco mais alto, pela adição de massa de sal, mas o ganho de área aquática com a melhor flutuabilidade compensaria.

Por falar em compensar, já íamos esquecendo da principal compensação: milhões de pessoas não teriam morrido afogadas em toda a história do mundo - nem mesmo as duas crianças que hoje cedo desapareceram numa praia do Rio de Janeiro.

Se Deus existisse e tivesse feito o mundo, será que ele não teria pensado nisso? As pessoas que se envolvem com a idéia de Deus garantem que ele quer o bem - mas isso pode ser uma projeção do bom coração que elas próprias têm. Uma força capaz de fazer tudo que foi feito, se tivesse um projeto para o homem, não teria deixado de lado um detalhe tão simples. Mesmo porque para ele seria fácil. Deus, assim dizem seus bondosos entusiastas, seria oniciente. E oniciência significa saber tudo. Vamos combinar que uma simples questão de concentração de sal em água seria fácil de resolver, caso existisse Deus e ele tivesse feito a Terra ideal para o homem.

Uma curiosidade. O homem se alimenta de matéria orgânica. Tudo que comemos no nosso onívoro dia-a-dia é orgânico, seja vegetal ou animal. Tudo. Só há uma excessão. Lembra-se qual é? Isso mesmo, o sal marinho.

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