*Verus philosophus est amator Dei - Santo Agostinho

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A Aparente Liberdade de Consumir,por Clesley Maria Tavares do Nascimento *

Por intermédio do consumo várias necessidades básicas, importantes para sobrevivência humana na Terra, são satisfeitas. Entretanto, a noção de necessidade existente em nossa sociedade é desvirtuada e manipulada por uma classe dominante detentora de expressivo poder aquisitivo e, consequentemente, de consumo.

Grande parte da população é levada a acreditar que as necessidades desta elite são comuns a todos, personificando o que se deve entender por qualidade de vida.

Ao colocar-se como modelo de qualidade de vida, as classes dominantes, omitem a existência do enorme fosso social que há entre o querer e o ter. Enquanto o querer (desejo) iguala, o ter (poder) separa, diferencia, marginaliza.

A promoção social que certas mercadorias oferecem, direciona as pessoas a adquiri-las sem refletir sobre sua real necessidade, nesse caso a pretensa autonomia da decisão de comprar ou não um certo produto, cede lugar aos ditames de um sistema econômico consumista presente em pequenos atos individuais e coletivos.

Envolvidas na ilusão do ter, as pessoas têm cada vez menos autonomia sobre suas vidas e sobre o que lhes fazem sentir bem consigo mesmas. Ficam reféns dos valores do mercado, que por sua vez aumenta a angústia existencial ao "vender" a felicidade obrigatória. Você tem que ser feliz e para isso há uma lista de produtos e serviços que devem ser consumidos para que a felicidade seja alcançada.

Paradoxalmente, esta idéia muitas vezes termina por disseminar a infelicidade, seja para aqueles que não conseguem adquirir os produtos listados, seja para os que conseguiram obtê-los, mas não encontraram a felicidade prometida.

Nos valores comportamentais da sociedade contemporânea, vê-se o quanto ela desvirtua a finalidade básica do consumo, ao mesmo tempo em que reforça a ideologia capitalista. A pessoa é o que consome, e quanto mais consome, mais consideração obtém de seus pares sociais, os quais se reconhecem na semelhança aquisitiva de certas mercadorias (carros importados, computadores portáteis, férias em lugares paradisíacos, ...).

A mesma lógica é encontrada naqueles com baixo poder de consumo. Anseiam pela igualdade de direitos e oportunidades sociais usufruídas pelos merecedores de consideração, intuindo que a tão falada e pouco compreendida cidadania está diretamente vinculada ao potencial de consumo. Nesse sentido, cidadania torna-se mais um, dentre outros tantos mitos personificados pelo consumo.

O assunto é polêmico, pois atinge diretamente o cerne do sistema capitalista, que mesmo em tempos de crise financeira ainda nos aconselha a consumir. Entretanto, na atual conjuntura mudar os padrões de produção e consumo é algo imperativo, que merece a atenção dos diversos setores da sociedade, não só pela extração exacerbada de matérias primas, usada na fabricação de mercadorias, ou pela produção de resíduos, mas também porque tais padrões promovem o agravamento da pobreza e conseqüentemente expande a diferenciação social.

Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU-2007) 80% de toda riqueza produzida no mundo é destinada a 1bilhão de pessoas que vivem em países ricos, enquanto que 5 bilhões de pessoas, quase todas de países pobres, rateiam os 20% restantes.

Realidade como esta, nos obriga a desenvolver um comportamento reflexivo em relação às práticas consumistas, e ao atual sistema de produção. A rota de propagação do consumismo é preocupante, geralmente boa parte do que compramos é fruto de uma falsa necessidade, pautada na aparente liberdade de escolha existente no ato da compra.

Devemos repensar os valores que levaram e ainda levam o ser humano, enquanto sujeito histórico, a se apropriar da natureza de forma tão desrespeitosa. O nível de degradação socioambiental que o planeta se encontra requer um entendimento mais amplo e profundo sobre as práticas aquisitivas vivenciadas em nosso cotidiano.

Apelando para os desejos mais íntimos, os gostos mais banais, idéias, vaidades e outros aspectos subjetivos do ser humano, o consumo se alastra de modo compulsório, através de mensagens diretas ou veladas, como uma epidemia global, que pode ser minimizada a partir do pensar reflexivo, atitude inadiável para os que estão mobilizados e decididos a viverem em um mundo melhor.


* Geógrafa - Educadora Ambiental

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